GERAÇÃO DE 1870
Questão Coimbrã (Iª Parte)
Este artigo tem por base uma geração de jovens intelectuais que marcou a literatura portuguesa e parte na nossa história com os seus feitos, ideais, problemas e discussões.
Primeiro falar-se-á dos principais intervenientes da geração de 70, que baseados no Fontanismo e no Liberalismo incutidos pelos ideais da Revolução Francesa, vieram a realizar uma profunda alteração na cultura portuguesa. São disso exemplo: a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino.
Na Questão Coimbrã, serão abordadas as suas causas, as discussões e consequências que esta veio criar no seio desta remodelada cultura.
As Conferências do Casino são o resultado dos encontros de alguns desses intelectuais que tentaram alterar a nossa política e mostrar ao povo português o inconformismo com o governo.
Os movimentos ocorridos nos últimos tempos em Portugal, como o Fontismo e a Regeneração, deram origem a desequilíbrios económicos na sociedade. As dívidas ao estrangeiro contraídas para pagar as infra-estruturas, agravam a situação económica, visto que no fim da Regeneração o País estava na falência, a adulteração das instituições, a astúcia dos políticos, a fraude e a corrupção do poder político vão que contribuir para uma degradação país.
Na cultura persistiu a falta de apoio que agravou as difíceis condições de vida dos Artistas. Os escritores precisavam da protecção do Estado, e este oferecia importantes cargos no Governo em troca do “controlo da pena” de onde vai surgir a chamada “literatura oficial”.
Surge, então, um grupo de jovens intelectuais do final do século XIX liderado ideologicamente por Antero de Quental e José Fontana e do qual fizeram parte alguns dos maiores escritores da História da Literatura Portuguesa, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Téofilo Braga e Guerra Junqueiro assim como “(…) poetas, romancistas, críticos, historiadores, sociólogos, políticos, filósofos, homens da mais diversa origem e procedência, todos eles associados num mesmo ideal,(…)” formaram o essencial da chamada Geração de 1870.
Iluminados por ideias inovadoras que ingeriram da cultura europeia, sobretudo da francesa, opuseram-se a um governo monárquico cada vez mais contestado nos finais da centúria. Racionalistas, herdeiros do positivismo de Comte, do idealismo de Hegel e do socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon, protagonizaram uma autêntica revolução cultural no nosso País, agitando consciências e poderes estabelecidos “Foram eles o resultado da total abertura de Portugal ao mundo civilizado de então, (…)” . Esta revolução cultural acabou por desembocar numa revolução política: a instauração da República, a 5 de Outubro de 1910.
É contra todas estas condições, contrastando com o avanço no resto da Europa, que surge a Geração de 70, um grupo de estudantes universitários de Coimbra que, por volta de 1865, se insurge sobretudo contra o gosto ultra-romantismo, uma corrente literária da segunda metade do séc. XIX, e que se caracterizou por levar ao exagero, e por vezes até ao ridículo, as normas e ideais preconizadas pelo Romantismo, nomeadamente, a exaltação da subjectividade, do individualismo, do idealismo amoroso, da Natureza e do mundo medieval., contra o monopólio de António Feliciano de Castilho um escritor português de formação neoclássica, que se rende ás tendências do Romantismo realizando diversas obras dentro deste estilo literário. É uma figura de destaque na segunda geração romântica representando uma espécie de padrinho dos jovens poetas que iniciando a sua carreira, recorriam à sua influência na negociação com as editoras.
Antero de Quental chamou à escola de Castilho a "Escola do Elogio Mútuo", já que os seus membros passavam o tempo a elogiar-se mutuamente, para prestígio do grupo. A Geração de 1870 defende uma maior abertura à cultura europeia, e uma reforma do País, sobretudo a nível cultural.
Denota-se no grupo a influência do socialismo utópico com laivos republicanos e uma influência francesa muito forte, de pendor anticlerical As facetas comuns à modernidade do século XIX também estão presentes, nas facetas racionalista e positivista, ao estilo de Augusto Comte, e na prevalência dos valores expressos em obras como as "Origens do Cristianismo", de Renan.
A Questão Coimbrã também se designou por Bom-Senso e Bom-Gosto. “(…) pôs frente a frente dois bandos (…)” , os dois protagonistas são, por um lado, António Feliciano de Castilho e, por outro, Antero de Quental. Tudo começou com a proclamação de Castilho, no prefácio do poema de Pinheiro Chagas, Poema da Mocidade (1865), de que o texto em questão tinha bastante nível e o seu autor um talento invejável.
Na opinião de Antero, esta era apenas uma forma de louvar um dos seus jovens protegidos. Este facto levou Antero a lançar um opúsculo intitulado Bom-Senso e Bom-Gosto (1866). Estava montada a guerra literária que foi considerada como a polémica mais renhida de sempre em Portugal. O próprio Camilo se envolveu nesta polémica ao escrever Vaidades irritadas e irritantes, em que atacava, com sarcasmo, a nova geração literária. Em suma, pode-se dizer que esta polémica não foi mais do que um confronto entre os defensores do velho Romantismo, já a agonizar, e a juventude apologista do movimento literário que se seguiria, o Realismo Conferências do Casino, denominam-se assim por terem tido lugar numa sala alugada do Casino Lisbonense e foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa no ano de 1871 pelo grupo do Cenáculo (jovens escritores e intelectuais, denominados de vanguarda) que trazem de Coimbra para Lisboa a disposição boémia e tentam agitar a sociedade no que diz respeito a questões políticas e mesmo sociais. Foi, então, um grupo de jovens escritores e intelectuais, reunidos em Lisboa após acabarem os seus estudos em Coimbra. Antero aparece como grande impulsionador desde 1868, iniciando os outros membros do grupo em Proudhon.
A ideia destas palestras surgiu na casa da Rua dos Prazeres, onde na época reunia o Cenáculo. Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense. Foi no jornal "Revolução de Setembro" que foi feita a propaganda a estas Conferências.
A 18 de Maio foi divulgado o manifesto, já anteriormente distribuído em prospectos, e que foi assinado pelos doze nomes que tinham intenções organizadoras destas Conferências Democráticas.
Manifesto
"Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a organização social.
Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
Procurar adquirir consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas.
Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871 – Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queiroz, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Téofilo Braga."
GERAÇÃO DE 1870
Questão Coimbrã (IIª Parte)
A 1ª Conferência “ O Espírito das Conferências” em 22 de Maio de 1971, proferida por Antero de Quental, de certa forma introdutória daquelas que se seguiram. De acordo com os relatos dos jornais da época, único testemunho que resta, esta palestra consistiu num desenvolvimento do programa que tinha sido previamente apresentado.
Antero começou por se referir à ignorância e indiferença que caracterizava a sociedade portuguesa, falando da repulsa do povo português pelas ideias novas e na missão de que eram incumbidos os "grandes espíritos" e que consistia na preparação das consciências e inteligências para o progresso das sociedades e resultados da ciência. Referiu o exemplo que constitui a Europa e a excepção formada por Portugal em face deste exemplo.
A conclusão da palestra termina com o apelo que Antero faz às "almas de boa vontade" para meditarem nos problemas que iriam ser apresentados e para as possíveis soluções, embora estas últimas se constituíssem como opostas aos princípios defendidos pelos conferencistas.
A 2ª Conferência "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos" – 27 de Maio de 1871, foi também proferida por Antero de Quental. Na introdução Antero pressupõe três atitudes ou pontos de partida. Em primeiro lugar "O Peninsular", falar da Península como um todo; em seguida uma aceitação – os Povos obedecem a um estatuto anímico colectivo, estrutural – é a crença no génio de um Povo; e, por fim, uma atitude judicatória – Antero julga a História, como uma entidade, o juízo moral, social e político.
Em seguida enumera e discute as causas da decadência. E põe que a solução destes problemas seria a oposição ao catolicismo, a ardente afirmação da alma nova, a consciência livre, a contemplação directa do divino pelo humano, a filosofia, a ciência, e a crença no progresso, na renovação incessante da humanidade pelos recursos inesgotáveis do seu pensamento, sempre inspirado. Assim como a oposição à monarquia centralizada, a federação republicana de todos os grupos autonómicos, de todas as vontades soberanas, alargando e renovando a vida municipal, a iniciativa do trabalho livre, a indústria do povo, pelo povo, e para o povo, não dirigida e protegida pelo Estado, mas espontânea.
Sendo a 3ª Conferência "A Literatura Portuguesa" – 5 de Junho de 1871, proferida por Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras.
Nesta palestra faz uma crítica aos valores da literatura nacional, concluindo que ela não tem revelado originalidade. Há uma negação sistemática dos valores literários nacionais, exceptuando escritores como Luís de Camões, Gil Vicente e poucos mais, atacando os poetas, dramaturgos, romancistas e jornalistas seus contemporâneos. Transmite uma visão decadentista, ao negar originalidade e peculiaridade à literatura nacional.
Tem a sua vertente revolucionária ao inculcar a ideia de que a literatura portuguesa deverá sofrer um processo de reconstrução que deverá partir de uma sociedade revitalizada.
Uma literatura com carácter nacional mas que se paute por valores universais.
O modelo e guia desta renovação salvadora da literatura nacional seria Chateaubriand, com o conceito de Belo absoluto como ideal da literatura, constituindo, este, um retrato da Humanidade na sua totalidade.
A 4 ª Conferência "A Literatura Nova ou o Realismo como Nova Expressão de Arte" – 12 de Junho de 1871, dada por Eça de Queirós e que encontra a sua inspiração em Proudhon e, no aspecto programático, no espírito revolucionário destas Conferências referido por Antero nas palestras que proferiu.
Eça salientou a necessidade de operar uma revolução na literatura, semelhante àquela que estava a ter lugar na política, na ciência e na vida social. O espírito revolucionário tem tendência a invadir todas as sociedades modernas, afirmando-se nas áreas científica, política e social. A revolução constitui uma forma, um mecanismo, um sistema, que também se preocupa com o princípio estético. O espírito da revolução procura o verdadeiro na ciência, o justo na consciência e o belo na arte.
Dando uma noção mais concreta, Eça sistematiza:
"1º - O Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea. (...);
2º - O Realismo deve proceder pela experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos caracteres;
3º - O Realismo deve ter o ideal moderno que rege a sociedade – isto é: a justiça e a verdade"
Foca aqui as relações da literatura, da moral e da sociedade. A arte deve visar um fim moral, auxiliando o desenvolvimento da ideia de justiça nas sociedades. Fazendo a crítica dos temperamentos e dos costumes, a arte auxilia a ciência e a consciência. O Realismo conduzirá à regeneração dos costumes. Conclui que a arte presente atraiçoa a revolução, corrompe os costumes. De tal forma, ou se há-de tornar realista ou irá até à extinção completa pela reacção das consciências. O modo de a salvar é fundar o realismo, que expõe o verdadeiro elevado às condições do belo e aspirando ao bem, pela condenação do vício e pelo engrandecimento do trabalho e o da virtude."
A 5 ª Conferência "A Questão do Ensino" – 19 de Junho de 1871, proferida por Adolfo Coelho que se inicia com uma posição de ataque às coisas portuguesas. Traça o quadro desolador do ensino em Portugal, mesmo o superior, através da História.
A solução proposta passa pela separação completa da Igreja e do Estado e por uma mais ampla liberdade de consciência, solução que, no entanto, era restrita a uma zona da vida nacional.
Para Adolfo Coelho a Igreja deprime o povo e do Estado nada havia a esperar. Tomando isto em consideração, o remédio seria apelar para a iniciativa privada, para que esta difundisse o verdadeiro espírito científico, o único que beneficiaria o ensino.
Quando a 26 de Junho se preparava outra conferenciada autoria de Salomão Sáraga, intitulada Os Historiadores Críticos de Jesus à entrada da sala do Casino Lisbonense estava afixado na porta uma portaria ministerial que proibia a realização dessa e de outras conferências.
Os conferencistas indignados vão ser signatários de um protesto publicado na manhã seguinte nos jornais da capital: “Em nome da liberdade de pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social, protestamos ainda mais contristados que indignados, contra a portaria manda arbitrariamente fechar a sala das Conferências Democráticas. Apelamos para a opinião pública, para a consciência liberal do país, reservando a plena liberdade de respondermos a esta acto de brutal violência como nos mandar a nossa consciência de homens e de cidadãos.”
Este foi um de muitos protestos feitos, em vários jornais da época, levando o ministro à demissão.
A Geração de 1870, a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino, marcaram toda uma época de novos ideias, de novas mentes e maneiras de pensar, e sobretudo mostraram haver uma revolucionária corrente de jovens pensadores com o intuito de remodelar a política e a cultura do nosso país.
Este artigo um pouco vasto foi uma boa forma de conhecermos uma pequena parte da nossa cultura (Coimbrã) e a sua evolução no final do século XIX, visto ser este um assunto que dificilmente iríamos, por nós próprios, estudar e aprofundar.
O ideal revolucionário deste grupo veio esbater-se perante as impossibilidades práticas de intervenção no país e a consciência de que também Europa se encontrava em crise, isto conduziu os intelectuais ao cepticismo que os levou a formar um grupo auto denominado dos Vencidos na Vida, conscientes do fracasso e da distância a que permaneciam os seus ideais originais.
Henrique Tigo
BIBLIOGRAFIA
SIMÕES, João Gaspar
“A Geração de 70 – Cadernos Culturais”, Editorial Inquérito, Lisboa
MARQUES, A. H. de Oliveira
“Breve História de Portugal”, Editorial Presença, Lisboa, 1995.
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/manifesto.html